Antigas alunas estão a colorir o mundo das crianças

As psicólogas Maria João Campos e Jéssica Ferreira, antigas alunas da Universidade Portucalense, sonham com um mundo mais colorido, igualitário e inclusivo. Recentemente lançaram o livro infantil “Vamos Colorir o Mundo? Em entrevista à “Comunica UPT” partilharam o seu percurso académico e os desafios profissionais que abraçam.

 

Comunica UPT: Lançaram o livro “Vamos Colorir o Mundo?”, para crianças entre os 5 e os 10 anos, educadores e pais. Quais as reações que têm recebido?

Maria João Campos: As reações têm sido bastante boas. Temos recebido feedback de parabéns, sobretudo pela componente mais lúdica que este livro apresenta. Além disso, alguns educadores que o utilizam para explorar algumas temáticas que envolvem a discriminação percebem que, de facto, a forma como está escrito e elaborado tem impacto nas crianças. Temos recebido vídeos, fotografias e mensagens amorosas das próprias crianças. Pessoalmente, utilizo o livro com os “meus meninos” mais novos e sinto que eles se interessam e entendem os conceitos em causa. Todo este feedback é ótimo e deixa-nos muito felizes.

Jéssica Ferreira: Eu sempre disse que este nosso livro iria dar que falar e é realmente o que está a acontecer. Atrevo-me ainda a dizer, que está a ser melhor do que imaginamos e a felicidade por tudo isto não podia ser maior! Este livro reflete tudo aquilo que queríamos. O amor com que foi pensado e elaborado faz com que seja tão especial na mensagem que chega às pessoas.

Escreveram o livro a quatro mãos, depois de se terem encontrado na Universidade Portucalense, no primeiro ano da licenciatura de Psicologia, em 2010. Quais as razões que as levaram a escolher estudar Psicologia?


Maria João Campos: Confesso que no ensino secundário estava “perdida” e sentia não ser suficiente boa a nada. Mas, no 12º ano, a disciplina de Psicologia despertou-me o interesse em entender o motivo dos nossos comportamentos e da influência das emoções nas nossas cognições. Depois com a entrada na licenciatura percebi que a Psicologia é um mundo bastante mais complexo e, sem dúvida, apaixonei-me ainda mais.

Jéssica Ferreira: A opção de entrar no curso de Psicologia surgiu do desejo e da curiosidade de perceber mais sobre o mundo interior de cada um de nós, e de como poderia ser possível trabalhá-lo. O facto de termos a disciplina de Psicologia no ensino secundário leva-nos a querer aprofundar ainda mais este tipo de temáticas. Além de ter havido também o despertar para o querer ajudar as pessoas ao nível emocional.

Como viveram esses anos académicos?

Maria João Campos: Os anos académicos foram indescritíveis. Gostava de atribuir meia dúzia de palavras, mas não sou capaz. Penso que é algo que apenas se vive, não há́ forma de explicar. Mas foram bastante bons e desafiantes também. Foi um período de muito amadurecimento, concretizações e de desenvolvimento de boas e grandes amizades. É possível participar na praxe, nas atividades “extra-académicas” e ainda assim sermos bons alunos. O importante, a meu ver, é gostar do curso em que se está. Torna tudo possível!

Jéssica Ferreira: Foram dos melhores anos da minha vida! É incrível cada momento que vivemos e tudo aquilo que adquirimos ao longo do tempo de licenciatura e até de mestrado. É possível termos o melhor dos dois mundos, os convívios, as festas, a praxe e, também, a responsabilidade, a aquisição de conhecimentos mais profundos, os relacionamentos e laços criados com os docentes. Se pudesse voltar atrás, voltava sem pensar duas vezes. No que diz respeito à Universidade Portucalense, não tinha qualquer tipo de relação com a entidade nem conhecia ninguém que tivesse, mas depois de todos os anos vividos cá, só́ posso dizer que se tornou, e será sempre, a minha segunda casa.

Depois da Licenciatura, como decorreu o vosso percurso profissional?

Maria João Campos: Após a licenciatura, optei por um mestrado mais global noutra universidade. Posso partilhar que detestei e a adaptação foi difícil, sobretudo pelo facto de a Portucalense ter um ambiente muito característico, quase familiar. Após a conclusão do mestrado, não foi nada fácil. Ser-se psicólogo é exigente, na medida que é necessário o mestrado e, posteriormente, um estágio para acesso à Ordem dos Psicólogos Portugueses. E neste sentido, não havia respostas ou as que existiam eram precárias. Mas consegui! Tive que me deslocar 400 quilómetros, mas surgiram várias oportunidades e, desde então, tenho aprendido muito. E, neste momento, estou numa fase bastante feliz da minha vida profissional.

Jéssica Ferreira: Após a licenciatura, segui para o mestrado, isto sempre esteve bem definido. E a partir do final deste é que começa uma fase bastante complicada e difícil de gerir. Acaba-se o curso e temos como obrigatoriedade, na área da Psicologia, de fazer um estágio de admissão à Ordem dos Psicólogos. Estágio este que se tornou num dos maiores desafios que podia ter tido, devido à procura diária e à falta de oportunidades. Torna-se neste sentido um percurso em que, por vezes, sentimos a desesperança e a solidão. No entanto, finalmente consegui cumprir com o grande objetivo de ter este estágio feito e continuei a trabalhar na área em parcerias com várias entidades, até que acabei por abrir o meu próprio espaço, o qual faz parte das minhas maiores realizações pessoais.

Atualmente, qual o desafio que estão a abraçar?

Maria João Campos: Atualmente sou psicóloga num agrupamento de escolas através de um protocolo externo que pretende dar respostas aos inúmeros pedidos de apoio no contexto escolar. As minhas funções são o acompanhamento psicológico individual, a realização de avaliações psicológicas e a articulação constante com a família, pedopsiquiatras, professores e outros envolvidos no processo de desenvolvimento da criança. Paralelamente, faço uma atividade de regulação de stress a crianças do Jardim de Infância e do 1º ciclo. Esta atividade é inovadora e, num primeiro momento, é favorecido o relaxamento para que se facilite a ampliação da consciência e, posteriormente utilizo um guião elaborado previamente com base em valores, sentimentos e comportamentos adaptativos e adequados. É pretendido que esta “história” fique no inconsciente e molde os pensamentos e, consequentemente, os sentimentos e comportamentos das crianças. É uma espécie de semente que planto que deve ser regada por todos os intervenientes da criança. Sou, também, professora da disciplina de Saúde no ensino profissional, no curso de Técnico Auxiliar de Saúde. 

Jéssica Ferreira: Atualmente encontro-me a trabalhar no meu próprio consultório de Psicologia e Desenvolvimento Pessoal – Psiqequilibrium, onde o objetivo é fazer avaliações, workshops, aconselhamento parental, e acompanhamento psicológico, a crianças, adolescentes e adultos. Também colaboro como psicóloga clínica noutras entidades ligadas ao contexto escolar e à saúde física das pessoas. Faço ainda parte de um projeto de inovação social, denominado por “Jardim d’areias – Centro Educativo”, onde o nosso grande objetivo é contribuir para a formação de futuros cidadãos, intervenientes, críticos e conscientes dos valores cívicos e ambientais. Dou também formação área do desenvolvimento emocional e orientação vocacional/ profissional.

Que competências do curso foram fundamentais para estes desafios profissionais?

Maria João Campos: O curso deu-me várias competências que foram e são fundamentais tanto para este desafio profissional como para o dia-a-dia. Digo várias vezes que o curso de Psicologia me tornou uma pessoa melhor, uma pessoa mais consciente de mim, das minhas emoções, dos meus pensamentos e comportamentos. Se somos mais conscientes, somos, automaticamente, melhores pessoas. Ou deveríamos ser! Mas além disso, penso que tivemos a sorte de ter professores bastante bons, e ainda hoje recordo-me de algumas sugestões ou de comentários que foram pertinentes e continuam bastante presentes na minha prática psicológica. As competências técnicas adquiridas são fundamentais para as intervenções que realizo. 

Jéssica Ferreira: O curso de Psicologia proporcionou-me competências que são fundamentais para a intervenção tanto com os meus pacientes como também para comigo, porque o trabalhar com pessoas e com a componente emocional das mesmas, é sem dúvida bastante exigente. Os ensinamentos dos excelentes docentes que me acompanharam ao longo dos cinco anos na UPT, fizeram-me crescer e ser a pessoa consciente, resiliente e empática que sou hoje. Não podia estar mais satisfeita com todo o percurso que tive. As relações com alguns dos docentes continuam e o pedido de aconselhamento também se mantém!

Que desafios, no vosso entender, a Psicologia enfrenta neste pós-pandemia?

Maria João Campos: Confesso que estava esperançosa que a pós-pandemia trouxesse maior valorização da área, mas ainda não a vejo. O que tenho assistido é que parece que qualquer pessoa se sente ou se intitula como “meio psicólogo” e que uma palavra ou abraço pode, facilmente, substituir um acompanhamento integro e especializado. Claro que uma palavra ou um abraço são importantes! Mas não podem substituir ou menosprezar a psicologia. As dificuldades económicas, o medo do vírus e a maior normalização das psicopatologias podem ser entraves à procura de apoio psicológico.

Jéssica Ferreira: Este pós-pandemia veio mostrar o quanto é importante a componente emocional para viver com qualidade. Contudo, e infelizmente, tal como a colega Maria João e muitos mais outros colegas de profissão dizem, continua a haver uma desvalorização da psicologia e dos psicólogos. As prioridades estabelecidas nem sempre passam pelo cuidado mental e a procura quando existe, acaba por ser mais direcionada para a área da psiquiatria pela busca de uma resposta mais rápida através de medicação. Além disto, o acompanhamento psicológico ainda não é acessível a toda a sociedade, existindo uma falta de apoios.

Como viveram este ano de pandemia?

Maria João Campos: Pessoalmente vivi com alguma angústia. Por um lado, o término do meu estágio profissional coincidiu com o “início” da pandemia, o que atrasou a integração no mercado laboral novamente. E por outro, sentia muito receio perante a possível exposição de familiares considerados de risco ao vírus. No último ano, adaptei as sessões de psicologia ao online e superou as minhas expectativas. Apesar de privilegiar o contacto presencial, confesso que as sessões via online apesar de desafiantes foram também facilitadoras de alguns objetivos terapêuticos. Isto de forma geral, claro. Além disso, o tema Covid-19 foi uma constante em consultório. Era muito difícil “desligar” desta realidade, além das óbvias máscaras e do necessário afastamento, que é bastante difícil quando se intervém com crianças.

Jéssica Ferreira: Vivi com a sensação de incerteza, inquietação e impotência, por não me ser possível colaborar mais do que aquilo que me era permitido.
Optei por criar um grupo nas redes sociais que permitisse dar suporte aos adultos que estivessem em casa com crianças, mas mesmo assim, senti a sensação de vazio, por ter conhecimento e supor em alguns casos o quanto estava a ser difícil aquela fase. Quanto à parte mais pessoal, era uma preocupação constante com os familiares e com o que poderia acontecer. Também teve um grande impacto em mim o deixar de ter contacto pessoal, porque valorizo muito. Ter que interromper o acompanhamento de alguns pacientes, pelo facto de estes não terem condições para o acompanhamento em formato online, foi também difícil.

O que aprenderam?

Maria João Campos: De forma geral, penso que aprendi a ser mais resiliente. Tive a oportunidade de readaptar-me, de sair da zona de conforto e tudo correu bastante bem. A pandemia veio mostrar-nos que não podemos dar a vida e a normalidade como garantidas, porque de um dia para outro tudo pode mudar. Mas, muitas vezes, a mudança é benéfica e enriquecedora. Esta foi a minha realidade e compreendo que para muitos não tenha sido assim, infelizmente.

Jéssica Ferreira: Aprendi a valorizar ainda mais a vida, o contacto com o outro e a liberdade. Fez-me sair da zona de conforto e pensar, ainda mais, sobre as mil e uma formas de dar a volta aos entraves que iam aparecendo e ter novas estratégias para as soluções. Também foi positivo, no sentido, de me permitir ter mais momentos focados também em mim própria, o que nem sempre acontece, devido à correria do dia-a-dia.

Daqui a um ano, o que gostariam de estar a fazer?


Maria João Campos: Gostava de continuar a trabalhar com crianças e adolescentes. Tenho um objetivo que tem vindo a ser adiado: fazer o doutoramento. Quem sabe se será no próximo ano?

Jéssica Ferreira: Gostava de continuar com os meus projetos atuais, mas ainda avançar para outro com uma dimensão maior que conseguisse abranger um maior número de pessoas, no sentido de permitir o melhor desenvolvimento pessoal e emocional possível de todos. 

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